(An English version may follow in the coming days...)
Ao período compreendido entre março e junho de 2009 - quando do meu despertar para o início do meu doutorado na Alemanha, com uma série de viagens pelo continente europeu e a formação de inúmeras novas amizades, e a tudo isto ainda intercalada a beleza do florescer da estação - dei o apropriado título de "a Primavera de Erlangen". Seguindo o mesmo raciocínio, institulo minha atual fase como "o Outono de Waterloo".
Embarquei para cá em circunstâncias um tanto atribuladas - aliás, o ano como um todo, até então, talvez possa gozar deste adjetivo. Apesar de termos realizado algumas reuniões e video-conferências, o projeto de pesquisa que submeti foi escrito de forma ampla o suficiente para comportar, basicamente, qualquer rumo que o trabalho aqui viesse a tomar. Peter, meu orientador em Erlangen, estava às voltas com os últimos capítulos de um livro, e sob este pretexto me deixou bastante à vontade para definir meu próprio rumo. Norbert (que me co-orienta por aqui), por sua vez, esperava que eu chegaria aqui já com uma linha bem definida do que fazer - tanto em termos de objetivos, como de metodologia. Que isto levou a um certo impasse nas primeiras semanas por aqui não deve ser, portanto, um fato surpreendente.
Talvez devido a este impasse, ou talvez por circunstâncias associadas à mudança de localidade, para uma terra incognita de costumes diferentes e sem a teia social que eu vinha tecendo nos pagos germânicos (ou ainda, talvez pelo fato de ter sido alocado para um depósito uma sala janelas no interior do prédio temporário onde o instituto está sediado), me peguei refletindo mais e mais frequentemente sobre meu futuro papel em uma eventual carreira acadêmica. Um ponto imediatamente relevante tange minha capacidade para o mesmo: mais uma vez tenho a impressão que minhas habilidades analíticas são pífeas, que meus resultados - já desde o Mestrado - carecem de um formalismo matematico mais elaborado, e que, adentrando o meu terceiro ano no doutorado, ainda não domino nenhuma técnica mais avançada, resumindo-me a comentários pós-introdutórios sobre uma variedade de assuntos. Ok, como já lembrou a Monica, eu gosto de sugerir que a media seja de tal forma que eu seja normal, ou talvez até acima disto: eu prefiro me imaginar abaixo da média (e salvaguardar a humanidade? Discutam.). Mas, mais além, se vislumbro aprofundar-me em uma técnica ou método em particular, me pego analisando-o de forma crítica, quase cínica, e estabeleço invariavelmente que tal não é uma forma razoável de atacar este ou aquele problema. Extendendo esta visão para além do meu escopo imediato, concluo que o mesmo pode ser dito de, virtualmente, toda a produção do nosso campo (e, por que não, de toda a Física), exceto talvez por um conjunto de medida zero, que tem por elementos aqueles poucos resultados verdadeiramente originais, vindos de uma mente que enxergou "além da borda do prato" (do alemão, "über den Tellerrand") ou "pensamentos fora da caixa" (do inglês, "to think outside the box"). Enfim. Creio que qualquer Físico há de concluir que este de fato é o caso (isto parece ser reforçado incondicionalmente durante minhas conversas (*) com outros doutorandos durante os cafés do Instituto (**) ); e que é necessário estabelecer uma grande base de resultados com incrementos apenas diferenciais para que um ou outro possa então, num ato de brilhantismo, combiná-los e levar um campo inteiro adiante. Mas como manter a motivação, quando a perspectiva de ser um capaz de fornecer uma destas contribuições magníficas é um tanto diminuta?
Mesmo numa abordagem pragmática ("vou baixar a cabeça, calcular e publicar"), a visão não se altera muito. Marco, um dos pós-doutores do grupo aqui, acaba de ser "promovido" a professor assistente, e apesar do contrato ser "de longa duração" - trata-se de uma vaga de 5 anos - ela não é tenure track (ie, não leva à uma posição permanente). Meu orientador em Erlangen, Peter, apesar de coordenar um grupo de pesquisa em um prestigioso Instituto Max-Planck, e ter livros e inúmeros artigos bem-citados, igualmente tem um contrato por alguns anos, tampouco - não é uma vaga permanente. Em algum ponto (e preferencialmente antes da aposentadoria) imagino que uma localização geográfica estável torne-se necessária para desenvolver um relacionamento e/ou uma família. Minha capacidade de julgamento sobre o assunto pode ser limitada, mas se um físico jovem, com algo entre 30 e 50 artigos publicados, não encontra uma posição permanente em uma instituição atraente quando se aproxima da faixa dos 35-40 anos, o que se deve concluir a respeito das possibilidades de conciliar uma carreira acadêmica com o que meros mortais denominariam "uma vida normal" (***)?
(*) Outras discussões interessantes orbitaram em torno do foco das pesquisas acadêmicas na fronteira entre ciência e engenharia - e da nossa, ou talvez minha, incapacidade de distinguir um fenômeno como cientificamente relevante por sua diminuta aplicabilidade prática. Todavia, deixo a pergunta: é útil a teoria incapaz de propôr um experimento capaz de testá-la ou validá-la? Igualmente, avança em algo nosso conhecimento um experimento desenhado apenas para comprovar a presente teoria, já aceita como válida - ou, em outras palavras, seriam os únicos experimentos dignos de menção aqueles que vão contra a teoria vigente, e refutando-a, nos forçam a rever nossos conceitos?
(**) Café que, devo acrescentar, é/continua intragável, e deixa de estimular mais discussões pelo seu aspecto aguado, americano, melhor-tomar-chá-inglês. Quero um medeirinhos!
(***) Não quero com isso implicar que estou necessariamente atrás de uma vida normal; mas uma certa dose de tranquilidade/estabilidade pode vir a ser bem vinda - se não por critérios pessoais, no mínimo como forma de permitir ao sujeito-pesquisador desenvolver seu trabalho sem a pressão constante por resultados imediatos para obter seu próximo contrato...
- - -
Mas antes que assim pareça, vou deixar claro: não são só as divagações filosóficas de cunho predominantemente negativo que ocupam minha estadia aqui. O verão do fim de agosto ainda permitiu que eu apreciasse belos fins-de-tarde ao ar livre, e por quê não, até alguns dias de bastante calor. Me mudei para meu endereço "definitivo" no começo de setembro, dividindo com Kate (30-something) e Lilly (uma híbrida de pastor alemão com algum modelo vira-lata) uma simpática casa (em reformas) - e um moedor de café e uma coleção de Bialettis (percebam os critérios adotados para a escolha do meu novo lar...).
Instalado, passei a intercalar alguns finais de semana ociosos - predominantemente em casa, botando a leitura em dia - com indiadas e viagens pelas redondezas. A primeira excursão deu-se à Detroit, onde Julia, do triatlo, faz um pós-doutoramento. Uma quinzena mais tarde, rumei com Nathan, colega do Instituto, e sua namorada Emma, ao parque provincial de Algonquin, onde carregamos nossas mochilas, barracas e sacos de dormir em uma canoa, e remando chegamos ao local do nosso ponto de camping. Uma fogueira e marshmallows garantiram uma autêntico clima de acampamento... Dois finais de semana depois, rumei para Toronto, para um combo de shows - Los Campesinos! numa sexta-feira, e Belle & Sebastian na terça-feira seguinte. No final de semana entre as datas, visitei Omar, colega da NDI em Etobicoke, e passei a segunda-feira, feriado de Ação de Graças, junto com a familia de Emma em North Toronto. Por fim, esta semana acompanhei alguns colegas do instituto a Guelph para uma tarde de escaladas - uma forma muito divertida de descobrir que também os músculos superiores são capazes de deslocar o corpo :) . De resto, ocupo os finais de tarde e os outros finais-de-semana com brunches, jantas ou cervejadas com colegas do Instituto, treinos com o clube de tênis-de-mesa da Universidade, corridas e caminhadas pelos parques das redondezas, e diversas leituras: estou terminando "Anna Karenina", minha segunda incursão a Tolstoy, além de "The 4-hour workweek", que posso denominar um guia prático ao Whiskas Lifestyle (o subtítulo é "how to escape 9-to-5, live anywhere and join the New Rich"), e "Training and Racing with a Power Meter", para dar aos meus treinamentos uma forma mais estruturada quando da próxima temporada...
- - -
Neste meio tempo, já passaram-se dois dos quatro meses da minha estadia por aqui. As temperaturas já cairam para abaixo de zero em algumas noites; mas bonitos dias de sol e céu azul ainda tem garantido um clima razoavelmente ameno durante o dia - mesmo assim, a calefação da casa já está ligada - o que bastante me agrada: o frio, em condições apropriadas, é muito bem vindo - diria até que esta seria a estação ideal para colocar as leituras em dia, e tudo seria perfeito não fosse o monopólio estatal local a impor preços um tanto quanto inflados aos bons vinhos que me fazem companhia ...
24.10.10
O Outono de Waterloo
By/por Whiskas at/às 03:52
Subscribe to:
Post Comments (Atom)
No comments:
Post a Comment